quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Feliz Natal!

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

De volta

Este blog esteve parado por inúmeros e enfadonhos motivos. O mais mencionável deles é uma viagem empreendida pelo seu autor, que será relatada nos próximos dias. Fotos e comentários de lugares como Milão, Suiça, Ilha de Malta, Túnis e outros. Uma boa maneira de ocupar o espaço e de agradar os milhares de leitores que aqui aportam diariamente.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Link Legal

De vez em quando vou ocupar esse espaço quase abandonado para falar de alguns sites e blogs que tenho o costume de olhar.

O primeiro é o indexed. A sacada é utilizar gráficos pseudo matemáticos para refletir sobre paradoxos e pequenas ironias do dia-dia. Excelente idéia, muito bem executada, que vai virar um livro. Necessário inglês intermediário. Seguem dois exemplos:



segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Mau humor

Tem dia que eu acordo a fim de reclamar. Nesses dias, me mantenham isolado ou eu acabo me expondo ao ridículo. Em algum momento do dia, me vejo explicando para um interlocutor atônito e levemente constrangido porque eu não assisto ao Fantástico há 13 anos e 4 meses. Nenhum bloco, nem cinco minutos. Até novela eu já encarei e, uma vez, por estar socialmente encurralado, agüentei dois blocos do Zorra Total. Mas o Fantástico eu me nego. Se você somar os minutos que eu assisti esse programa em todo esse período (sempre por acidente), o total não chega a uma hora, com certeza. Meus motivos são justos, mas a paixão com que os descrevo não tem ajudado minha escalada social.

Mas (alegre-se), não vou falar sobre isso. Vou falar sobre outras coisas que afloram esses sentimentos. Basicamente vou desabafar um pouco sobre a imbecilidade reinante.

Por que eu tenho que ligar a TV e ouvir uma sílaba que seja do abobado do Nelson Jobim? Não suporto esse traste posudo e fingido que desfila pelos aeroportos do Brasil fazendo caras de novela das oito, simulando choque, vergonha, tristeza e indignação. Se eu me exaspero, só posso imaginar o que isso causa nas pessoas que realmente experimentam esses sentimentos. Os caras que perdem compromissos importantes em filas de vôos ou os que perderam um familiar nos desastres. Acho que se eu fosse uma dessas pessoas vomitaria cada vez que esse hipócrita faz seus pronunciamentos enfáticos repletos de slogans medíocres e sugestões estapafúrdias. Os técnicos que entendem de aviação civil (se é que existem no Brasil), que certamente acompanham o ministro nesses passeios devem morrer de vergonha no fundo com as besteiras que ele fala. Só mesmo num país com esse governo covarde e essa imprensa hipócrita se daria tanta importância a uma mula (mil perdões aos muares inocentes) incompetente desse tipo.

E o ministro Mello? Quem é que leva a sério uma figura daquelas? Qual a utilidade social desse apalermado cínico? Esse priminho do Collor não deve nem assoar o nariz sem ter alguma motivação política, o que é grosseiramente ridículo num juiz do STF.

Outra coisa é a idéia preconceituosa (e falsa) que os pobres e ignorantes votam no Lula. É a política anti-povo, a classe média com o pé limpo. E essa postura 'Manhattan Connection', asquerosamente perceptível em FHC, se reflete naqueles imbecis que enchem a boca pra fazer piadas do tipo “precisa de nível médio pra ser gari, mas não pra ser presidente”. Rá, rá, rá. Isso se chama democracia, mala, se não gostou procura uma ditadura.

Por outro lado, até quando o governo vai associar a votação de Lula a qualquer coisa criticável no país? “Se a economia estivesse mal (e não está), Lula não teria recebido 200 trilhões de votos”. “Se existissem corruptos no PT (e existem), Lula não teria 800% de votos”. Vira o disco, cacete. Que conversinha bem chata essa.

E a isenção da Veja? E a volantaiada do Dunga? E as propagandas de cerveja? E os programas humorísticos da TV? E as crises aéreas (a verdadeira e a da imprensa)? E os cadernos de cultura dos grandes jornais brasileiros? E o padrão de atendimento a consumidores do país, de bancos a delegacias, passando por supermercados (não entro mais no Carrefour) e empresas de telefonia? E as mensagens de e-mail claramente mentirosas que as pessoas repassam incansavelmente? E os insuportáveis erros de português que nos cercam por todos os lados?

Seguindo expressa orientação médica, vou tentar não falar do Galvão Bueno, suas hipóteses prévias aos fatos e sem qualquer relação com a realidade, seu esforço infantil para prová-las, sua incapacidade de entender qualquer coisa, sua arrogância sem medida, seu séqüito de puxa-sacos sem personalidade, sua noção descabida de patriotismo, sua incompetência profissional (ao contrário do que se apregoa, tecnicamente, ele é um péssimo narrador esportivo). Pronto, falei do Galvão. Mais um Prozac.

Gente, fala sério. Se eu seguisse meus instintos cada vez que acordo desse jeito, ia faltar tomate (e torta de chantilly, e saliva, e porrete).

Não tem humor que resista a um feriadão a em frente à TV.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Das pequenas hipocrisias jornalísticas cotidianas

Eu delirava com aquelas reportagens do Fantástico em que uma repórter traduzia para o público as novas gírias da 'moçada'. Eles ainda fazem essas porcarias? Um grupo de garotos se reunia, microfones e câmeras ligadas, o 'papo rolava solto'. A moça fazia algumas perguntas, a gurizada respondia e os espectadores iam sendo glossarizados. Sempre existiram matérias com esse tipo de contexto: vamos mergulhar no mundo de... Podia ser dos jovens, dos caminhoneiros, dos artistas de circo, por aí vai. Desde que me conheço por gente (sério mesmo, desde uns oito anos de idade) eu me irrito com a superficialidade desse tipo de reportagem.

Essas matérias me lembram - e é disso que eu queria falar - as 'grandes revelações' da mídia. Uma câmera escondida penetra num mundo de sombras e traz surpreendentes verdades à tona, do tipo 'policiais rodoviários aceitam propina', ou 'o consumo de maconha acontece livremente nos pátios das faculdades'. A imprensa mundial, mas a brasileira especialmente, tem o dom de fingir choque com coisas absolutamente conhecidas. Nas coberturas políticas isso acontece o tempo todo.

Semana passada os caras interceptaram ligações telefônicas e trocas de mensagens de membros do judiciário e assombraram o mundo. Os juízes conversam entre si sobre suas causas. Eles discutem política interna do órgão ao qual estão ligados. Quantas surpresas! Mas para a revelação maior ninguém estava preparado. Eles, os juízes, se sentiram pressionados pela ampla cobertura jornalística do caso do mensalão. É isso mesmo, eles estavam com a faca no pescoço.

Aqui entre nós, quantos juízes do Supremo você conhecia? Aliás, bem na surdina, você sabe se esse Supremo é o STF ou o STJ? Não se preocupe, quase ninguém sabe. Mas de uma hora pra outra, esses camaradas começam a ter seus nomes citados e seus perfis esmiuçados na TV. Foi indicado pelo Lula, pelo FH, é conservador, etc. Com exceção do babaca do ministro Mello, a maior parte deles mal tinha dado entrevistas. Não estavam acostumados com essa exposição. Você acha que a cobertura ultra tendenciosa da mídia pressionou o resultado? Se até os deputados e senadores – macacos velhos e caras de pau treinados – só votam seus aumentos nas vésperas de feriado, imagine esses entogados que só mostravam a cara no TV Justiça.

O assunto gerou capa da Folha, como se a Verdade estivesse sendo descortinada. No dia seguinte, negativas, explicações. A cultura da hipocrisia está instituída e a mídia utiliza-a como bem entende.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Happy happy hour

Passo o dia envolvido com coisas “importantes”. Planejamento, prazos, contratos, fiscalizações. Preencho muita papelada, sou constantemente cobrado. Nada muito diferente de qualquer outra pessoa que trabalha. Durante o dia, as tarefas se acumulam, alguns problemas se resolvem sozinhos e outros - a maioria - se complicam ainda mais. Às 17h, como quase todas as pessoas, minha cabeça está zunindo. Hoje, trabalho com comunicação empresarial que, apesar de tudo, é bem menos estressante que meu último emprego, num banco.

Independente da carga de estresse a que estamos expostos, precisamos de válvulas de escape. Como trabalho em uma área industrial relativamente isolada cujo principal acesso é via ônibus da própria empresa, descarta-se a opção tradicional, a cervejinha. Até porque eu não bebo, mas isso não vem ao caso. No ônibus que me leva para casa, alguns ouvem música, outros conversam (um pouco alto demais pro meu gosto), a maioria dorme. No meu caso, o melhor remédio para um dia atarefado é um bom livro. Carrego na pasta, junto com as bolachas recheadas. Coloco o livro no colo, me ajeito no banco, lanço os olhos à página. Aos poucos, minha mente troca as cobranças por Cortazar, Thomas Mann, Dostoievski, por cinema, história, filosofia. Se o livro é bom, chego em casa renovado, sem incomodar ninguém. Se o livro é ótimo, desembarco procurando um cantinho escondido para continuá-lo. Como moro numa cidade pequena e tenho uma esposa paciente e compreensiva, tenho lido bastante.

Mas, recentemente, esse quadro mudou um pouco. Agora eu tenho uma linda nenê em casa e os meus horários estão meio malucos. Todas as horas do dia agora guardam potencial para provocar algum tipo de cansaço. Meu momento de paz é o ônibus. E a viagem não é muito longa. Quando eu sento naquele banco acolchoado, meu corpo só quer saber de dormir. Dependo de meus colegas solidários para não acordar na garagem da empresa de transporte todos os dias.

E a minha cabeça? O sono descansa o corpo, mas a atividade cerebral continua. Existe uma maneira eficiente de abandonar problemas e preocupações cotidianas? Tem remédio que proporcione aquela gostosa sensação de alívio de deixar as chateações para trás? Tem. A solução, como freqüentemente acontece, está na raiz do problema.

Assim que abro a porta, minha esposa coloca nos meus braços a pequena Vitória. E essa criaturinha de poucos dias, que nem sabe o que está acontecendo, muda meu dia. Quando ela mexe a sobrancelha, boceja ou entorta a boca (será um sorriso?), torna pequenas todas as coisas do mundo. Nada existe fora dos limites daquelas bochechinhas. E começa uma nova rotina. Ela abre a boca. “Será que vai chorar? Deve estar com fome. Ou está sentindo alguma dor? Não está com muita roupa? Acho que a gola está irritando o pescoço da coitadinha, ela está tentando dizer alguma cois, olha a cara dela.” Aí ela espirra, e o papai ri, aliviado. Tranqüilo, mas só até o próximo ínfimo movimento facial. Essa nenê é ocupação garantida para muitas horas. E o papai, dez minutos depois de chegar em casa, já nem lembra o nome do chefe.


terça-feira, 31 de julho de 2007

No mesmo dia


Shakespeare e Cervantes são, respectivamente, os maiores escritores em língua inglesa e espanhola do mundo. E morreram na mesma data (embora não no mesmo dia). Interessantes as coincidências. A comparação entre Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni não é oportuna apenas por terem morrido na mesmo dia. Eles eram os dois últimos grandes diretores europeus vivos. Compartilhavam o mesmo rótulo (filmes bem “europeus”, intelectuais e entediantes) e se preocuparam com temas parecidos, como incomunicabilidade, solidão, silêncio.

Ingmar Bergman é o símbolo preferido do “cinema-cabeça”, aquele das sessões obscuras em cineclubes de fanáticos. Pena que esse estereótipo tenha uma carga tão negativa. Confrontada sem preconceitos (e com alguma paciência, reconheço) com um filme de Bergman, qualquer pessoa era tocada por suas imagens. Persona, Morangos Silvestres ou Gritos e Sussurros são exemplos perfeitos. O Sétimo Selo ou Fanny e Alexander são mais palatáveis. Pessoalmente, ainda recomendo Cenas de um Casamento, um mergulho profundíssimo na intimidade de um casal ou Sonata de Outono, sobre a relação mãe e filha. A verdade é que Bergman era o último gênio cinematográfico vivo. Alguns grandes cineastas ainda estão por aí, mas gênio só restava esse. Forte influência do teatro, longas seqüências, fotografia primorosa. E que interpretações! Seus filmes mudaram meu interesse por cinema e certamente muitos aficcionados sentirão sua falta.

Antonioni também era um diretor de exceção, embora tenha produzido menos obras-primas e ainda tenha feito uns filmes bem chatinhos. Mas é o diretor de A Noite e A Aventura. Poucos filmes, talvez mesmo nenhum, ficaram tão fixos na minha mente como A Noite. As longas seqüências de caminhadas (que em outros filmes dele, como Deserto Vermelho, são absolutamente aborrecidas) foram hipnotizantes e me ajudaram a refletir mais sobre a linguagem do cinema do que quaisquer outras cenas individualmente. A Aventura, considerado seu maior clássico, é semelhante no sentido, mas o isolamento do indivíduo é provocado por elementos naturais (uma ilha), o que para mim é menos interessante do que no caso de A Noite, que ocorre dentro de uma festa. São excelentes filmes.

Dois grandes artistas morreram ontem. Seus filmes provocavam reflexões genuínas e comoviam cinéfilos com histórias simples, discretas e preenchidas por emoções sutis e verdadeiras. Hoje o mundo acorda mais barulhento, mais shopping center, mais superficial.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Ando ocupado


Uma maravilhosa desculpa para não andar atualizando esse blog.
A Vitória nasceu dia 25/07, às 00:47 e já deixou o pai bobão.

Mais fotos no: http://fotosdavitoria.blogspot.com

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Esfarrapados e moribundos

Nunca trabalhei como jornalista, e não gosto dessa profissão. É um modo promíscuo de ganhar a vida. Assim como um advogado não tem amor à verdade que se compare ao seu apego aos interesses de seu cliente, um repórter não tem respeito algum pela nuance. O sentido de uma situação não é o que ele explora, na verdade ele freqüentemente evita a atmosfera, já que é difícil capturá-la num texto escrito às pressas. Suas tentativas juvenis de procurar o espírito de um evento foram decapitadas anos atrás na mesa do editor de texto; desde então ele foi adestrado a buscar fatos, ainda que invariavelmente os compreenda mal. É sutilmente incentivado, quando trabalha numa matéria, a depender de tudo, menos de sua escrita. É por isso que poucos repórteres escrevem bem”.

No prefácio de “O Super-homem vai ao supermercado” (Cia. Das Letras), Norman Mailer mostra que não é preciso ser um teórico de comunicação de massa pra chegar a conclusões negativas sobre a imprensa. Melhor ainda são as análises do efeito desse tipo de jornalismo na cosciência coletiva da sociedade e no conteúdo do discurso de qualquer sujeito exposto à mídia, especialmente políticos.

Na verdade, é pior do que isso. Daqui a alguns séculos, a inteligência moral de uma outra época talvez contemple com horror a história implantada nas pessoas do século XX por meio da imprensa. Uma corrosão do cérebro coletivo é uma das conseqüências. Outra é a deformação da consciência de qualquer líder cujas ações estejam constantemente nos jornais, pois ele foi obrigado a aprender a falar unicamente sob a forma de frases citáveis e autoprotetoras. Teve também de aprender a não ser interessantes demais, uma vez que suas idéias, nesse caso, seriam deturpadas e seu comportamento, criticado. [...] Evidentemente, os heróis que aprenderam a respeitar as limitações dos repórteres talvez nunca venham a ter de novo um pensamento original”.

[agüente ainda minha resenha sobre o livro no Falácias]

terça-feira, 26 de junho de 2007

maré baixa



pros lados de São Miguel dos Milagres, AL

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Tá, e daí?

No final do clássico “Uma Breve História do Tempo”, Stephen Hawkings desenvolve uma idéia curiosa e algo pretensiosa, mas com certeza muito interessante, pelo paradoxo que encerra e pela reflexão epistemológica que provoca. Segundo ele, os conceitos de física teórica que envolvem o estudo da astronomia (e a lógica deve valer para matemática, biologia, química) estão cada vez mais restritos a poucos cérebros capazes de entendê-los e acompanhar sua evolução, por causa do conteúdo excessivamente técnico.

A situação criou (já antes dos anos 80) um quadro inusitado. Filósofos e leigos estão fora da discussão sobre origem e destino do universo (foi-se o tempo de Aristóteles), que virou uma festinha cada vez mais privada. Mas essa exclusividade terminará um dia, alerta Hawkings. Quando os especialistas chegarem a uma conclusão, alguns intermediários vão nos explicar tudo e então poderemos discutir livremente, não mais conjeturando, mas apoiados na Verdade. Estaremos então - e assim ele conclui o livro - buscando, todos juntos, o conhecimento da mente de Deus.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Raio-X

Com o texto didático que o caracteriza (uma virtude necessária), percorrendo caminhos tortuosos e sem forçar a barra tanto quanto normalmente faz, o jornalista Paulo Henrique Amorim tirou uma excelente foto da mídia brasileira num artigo de hoje no seu Conversa Afiada. Destaque para a penúria dos grandes órgãos e para a ridícula situação das faculdades de jornalismo do país, assunto favorito do (bem mais virulento) Ungaretti.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

O Mundo é Torto

Para legar à posteridade uma imagem positiva, reis e regimes sempre tiveram a seu favor a subserviência dos historiadores oficiais, com uma visão pra lá de parcial da realidade. Pois o regime do Pensamento Único também tem seus cronistas míopes, subservientes, cínicos e mal-intencionados. O Mundo é Plano (Ed. Objetiva, 2005) de Thomas L. Friedman, é um exemplo perfeito. A proposta ousada (para não dizer arrogante) é a de contar em 2005 uma breve história do século XXI. E a pretensão fica completa com a constante comparação com Colombo, que partiu para as Índias para provar que o mundo é redondo. Friedman teria ido para a Índia provar que ele é plano.

Na verdade, no aspecto estritamente histórico, Tom não se deu tão mal quanto se esperaria de um livro tão precipitado. Sua coleta de dados é impressionante. Para apresentar as revoluções técnicas e econômicas da última virada de século, o autor entrevistou centenas de pessoas, viajou por todo o mundo e reuniu inúmeros exemplos de cada aspecto que pretende mostrar. Apresenta-se como um legítimo jornalista-historiador. Explica a sucessão dos fatos e nos mostra como estes se encontram inter-relacionados de maneira bastante convincente. Mas a sua perspectiva é demasiadamente viciada, tornando-o míope para quaisquer dados que não confirmam sua tese.

O posicionamento de Friedman diante dos fatos é lamentável. O que a princípio parece objetividade aos poucos se mostra como adesão ideológica. Estranhamente para alguém tão informado, o autor não demonstra perceber qualquer disfunção no sistema. Ele nos explica terceirização e bolhas especulativas como se estivesse descrevendo uma frigideira. Nesse aspecto, lembra Kafka. Sóbrio e impassível. A diferença, é que a transformação de Gregori Samsa num inseto pertence ao mundo do faz-de-conta, ao contrário da semi-escravidão dos profissionais de nível médio empregados no gigantesco setor de call-center na Índia. Alguns absurdos ainda chocam.

Seu texto às vezes parece escrito por um menino. Subestima a inteligência do seu leitor de maneira afrontosa (A Guerra Fria foi um embate entre dois sistemas econômicos – capitalismo e comunismo, ele me ensinou). Num certo momento, para provar “o fato irrefutável de que mercados mais abertos e competitivos são o único caminho sustentável para que uma nação se liberte da pobreza”, ele apresenta estatísticas de redução da pobreza com dados de (pasmem!) 2015. Isso mesmo: já que os números provam como tudo melhorou entre 2001 e 2015, o sistema só pode estar correto. O autor vibra com as brilhantes soluções corporativas como o atendimento, por indianos, das reclamações de malas perdidas em vôos domésticos da American Airlines. Pérolas como essa são efusivamente louvadas, sempre apresentadas com o total de centavos de economia que representam.

Freidman tem a fórmula completa para o sucesso de países e empresas nesse futuro dourado, e todas as soluções passam pela livre economia regulada pelo mercado. Mas Tom parece ter dificuldade em entender que indicadores estatísticos são insuficientes para descrever uma realidade. Considera como surpreendente a derrota do partido que gerenciou uma taxa de crescimento no país e, após uma análise superficial conclui que “bastaria que esses eleitores rurais [...] passassem um dia em qualquer grande cidade próxima para perceberem os benefícios do mundo plano: os automóveis, as casas, as oportunidades de ensino”. Como apoio a essa explicação simplista, cita um indiano que é editor de um jornal on-line de Yale, segundo o qual a “eleição foi motivada pela inveja e pela raiva”.

Viajando pelo mundo, ele foi parar na Wal-Mart. Lá, observou que os condutores das minicaminhonetes nos centros de distribuição usavam fones de ouvido. Descobriu que eles estavam sendo orientados por computadores que avaliavam seu ritmo de trabalho. Uma voz gravada – masculina ou feminina, em inglês ou espanhol, a escolha é do empregado! – informa os robozinhos mal-pagos se eles estão atrasados. A engenhosa inovação provocou uma ‘explosão de produtividade’, ele exulta.

Embora esteja encantado com os baixos custos da cadeia de fornecimento do Wal-Mart, para ser inteiramente justo, ele reconhece de passagem alguns dos problemas da empresa, como a contratação de imigrantes ilegais, o péssimo plano de saúde dos empregados, as práticas comerciais deploráveis e ainda lembra que a lojinha de Sam Walton é a ré da maior ação coletiva de violação aos direitos civis da História. Mas o futuro é dourado, e Friedman torce para que a empresa logo entenda que existe um limite tênue entre hipereficiência e prejuízo social.

Para as empresas, muitas dicas. Aí vai uma, de um professor de administração da Ohio State University: “se você ainda tem em seu encargo alguma operação que faça uso intenso de mão-de-obra, caia fora, para não morrer de hemorragia. Não adianta cortar 5 %aqui e ali.”. A solução, claro, é a terceirização para países em desenvolvimento, que “disputam a tapa para ver quem consegue oferecer às multinacionais, além de mão-de-obra barata, os melhores estímulos ficais, os profissionais mais qualificados e os maiores subsídios, a fim de puxar a brasa do offshoring para o seu lado”.

No caso desses países em desenvolvimento, Friedman reconhece que a democracia pode tornar as coisas um pouco mais lentas por causa de dificuldade de se conseguir consenso na implementação dessas mudanças. Daí a vantagem histórica da China nesse cenário competitivo mundial. Uma ditadura prescinde desses detalhes.

Em relação aos Estados nacionais a mensagem é clara e está espalhada por todo o livro: encolha, suma, dobre-se, renda-se. Quanto mais rápido melhor. Contextos históricos de colonização, democracias fictícias e industrializações tardias e deficientes são solenemente ignorados. Em geral, é comum aceitarmos certos fatos históricos com uma incômoda resignação pelo fato de eles terem ocorrido há tanto tempo que seria inútil tentar corrigi-los. Thomas Friedman, entretanto, espera apenas uma década para tratar as picaretagens das desestatizações que varreram o Terceiro Mundo impulsionadas pelos conselhos do BID e do FMI (ler A Melhor Democracia que o Dinheiro Pode Comprar, de Greg Palast) como fatos normais, coisa já resolvida. O caso é que estamos nos acostumando rápido demais aos absurdos. E essa pressa do cronista real em contar a história desse período se deve justamente à vontade de cristalizar certos processos recentes como históricos, portanto inevitáveis.

Mas a crítica à terceirização e à revolução tecnológica que a levou a patamares surreais (jornalistas, contadores e radiologistas) que mais preocupa Mr. Friedman é sem dúvida a oriunda dos Estados Unidos (our jobs are gone, man!). Como resposta, ele apresenta uma equação segundo a qual, devido à elevação dos padrões e especificidade técnica dos serviços a maioria dos empregos cruza oceanos, mas os melhores continuam nos EUA (muito animador para quem não está em nenhuma das pontas), desde que os americanos continuem constantemente renovando seus conhecimentos. Já para rebater as críticas ao nivelamento por baixo de produtos, serviços e práticas trabalhistas, e também a exploração de trabalhadores terceiromundistas (20% do custo do norte-americano – porque será?) a conversa se inverte, e agora ele argumenta que China e a Índia estão apenas dando o primeiro passo, e logo estarão no mesmo nível que os americanos. Ele resume sua lógica maluca com aquela historinha de que com o aumento de sua renda, a srta. Unnikrishnan pode comprar aplicativos Microsoft e Coca-Cola (adoro simbolismos fáceis, estes ele me deu de bandeja). Pra encerrar a polêmica ele lembra, jubiloso, que 90% dos acionistas dessas empresas indianas são americanos e ainda acha espaço para tripudiar: “é dando que se recebe”.

Se nos atermos a visão de Friedman, a história do século XXI já está adulterada. O autor é cego para sutilezas. Não percebe que o fato de o capitalismo ter se imposto no mundo não significa que todas as facetas desse modo de produção sejam as melhores nem que sejam inevitáveis. É o melhor, e talvez esteja se tornando o único, mas não é perfeito nem deve ser tratado como imutável.

O mundo plano descrito por Thomas. Friedman já é feio por si só. A descrição desse mundo, determinista, fatalista e pontuada por um arrebatamento juvenil é ainda mais deprimente. Na capa do seu livro o planeta é retratado, significativamente, como uma moeda. E o autor só enxerga uma face. A moeda tem dois lados, senhor cronista real, e naquele que o senhor escolheu não ver (nem mostrar) escondem-se mais de 3,5 bilhões de pessoas que ainda não experimentaram plenamente os benefícios da banda larga, dos softwares de fluxo de trabalho e das cadeias de fornecimento global.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Receita da canja

"Denúncias feitas por fontes para repórteres não contam mais com a confiança dos editores. Os próprios jornalistas já não contam com essa confiança. E as fontes mínguam num caldo de apatia."

O Café estreiou com tudo no Falácias batendo com classe e conhecimento de causa na nossa amiga de sempre. O viés, enganchado de um post do Cecconi no mesmo blog, é a relação conflituosa entre editores e jornalistas. História velha, mas que ajuda a entender um pouco a piada de imprensa que temos por aqui. O troço tá nivelando por baixo, o Café nos explica: a covardia virou prudência, que virou virtude.

[...]"os critérios empregados para a publicação de uma reportagem apontam mais para o baixo potencial de dano que as 'denúncias' podem ter do que para aquilo que é importante para a sociedade saber."

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Falta de assunto

Que bela maneira de tirar o brilho de um grande prato a mania de explicar em detalhes a maneira como o alimento foi preparado. E fazê-lo enquanto estamos comendo! Nossa língua ainda aprecia uma torta de salgada inesquecível, mas o prazer começa a desaparecer aos poucos, enquanto uma implacável voz feminina desfia: “você coloca a massa no forno enquanto mistura o recheio com o creme de leite...”.

E os documentários que mostram a filmagem de uma cena de cinema? Um sujeito comum (nem parece o ator!), com um cenário incompleto no fundo, cercado por uma multidão de cabos, luzes e pessoas, repetindo a mesma frase umas vinte vezes. Aí ele faz um movimento artificial, como uma girada rápida de corpo. Fica olhando o vazio com uma expressão facial forçada (que no filme eu mal reparei), depois recomeça tudo. Essas cenas sempre me lembram da primeira vez que vi o William Bonner (no videoshow, confesso) apresentando o Jornal Nacional de bermuda. E elas invariavelmente tiram o encanto do filme.

Certos prazeres dependem muito dos mistérios que envolvem sua fabricação/produção.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Samuel Beckett

Em Companhia, um de seus últimos trabalhos, Beckett parece ter criado seu personagem ideal. Nu, sem nome ou lembranças definidas, sem quaisquer certezas, nem mesmo de sua identidade. Só sabe que ainda vive, porque divaga. Está no escuro e ouve uma voz, mas será que essa voz existe mesmo? O texto é hermético e despojado de artifícios, como o personagem. Sem ação ou reflexão. Um tapinha.

Em outra escuridão ou na mesma, um outro, criando tudo pela companhia. Isso, à primeira vista, parece claro. Mas, à medida em que os olhos se detêm, vai ficando obscuro. Na verdade quanto mais os olhos se detêm mais obscuro fica. Até que os olhos se fecham e, livre da observação atente, a mente indaga, Que significa isso? Que, afinal, significa isso, que parecia claro à primeira vista? Até que a mente também dá a impressão de se fechar. Como se fecharia a janela de um quarto escuro e vazio. A única janela que dá para a escuridão exterior. Depois, nada mais. Não. Infelizmente, não. Restam ainda os tênues lampejos de luz, e a agitação. Incessante”.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sejam bem-vindos

Comecei hoje a divulgar esse blog. O objetivo inicial dele é desovar digressões prosaicas, crônicas reflexivas e outros tipos de bobagem oriundas desse nascedouro quase estéril que é a minha cabeça.

Como não vai melhorar nada mesmo, acho que já pode ser aberto para a horda incontrolável que vai invadir esse espaço depois que eu passar o e-mail (previsão otimista: umas 6 pessoas).

Leiam, comentem, perguntem, discordem, critiquem, palitem, divulguem.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Um ano de saudades

O papa não é tão pop


É claro que eu nunca conseguiria me expressar da mesma forma que o Sean e a Márcia (talento de menos e pudores demais)- até porque não tenho exatamente a mesma opinião - mas compartilho o sentimento de revolta que a visita do “sucessor de São Pedro” (sic) provoca em todos nós. Gente, isso tá parecendo Copa do Mundo. É em todo lugar a toda hora. Esse excesso de exposição prejudicaria até a imagem do Pelé (exemplos extremos nos ajudam a visualizar certos fatos).

Essa viagem é uma combinação fatal. O excesso de valorização da visita de um líder religioso ao país e as posições historicamente arrogantes e agressivas, parcialmente anti-bíblicas e portanto incoerentes e hipócritas da Igreja Católica. Pessoalmente, minhas discordâncias com a figura são de ordem mais técnica (no fundo sou um moralista convicto), que não cabem aqui, até porque o texto não é sobre religião, nem sobre o papa. Isso mesmo. Estou falando dela, a maldita mídia.

Acredito que o papa tem o direito de não abrir mão de suas crenças (incluindo as babaquices) e de manifestá-las publicamente, mesmo discordando da maioria. Ele representa legitimamente um grupo (a Igreja Católica, não o cristianismo) e fala em seu nome. Só que eu creio que a opinião de B16 sobre camisinha, aborto ou homossexualismo diz respeito somente aos que querem ouvi-lo. O problema no que o cara pensa sobre céu ou inferno é que tem gente demais repetindo. Pombas, a gente tem ouvido opinião até da Preta Gil. Será que estamos tão ávidos assim?

Quando eu era pequeno, me ensinaram que a mídia cria falsas necessidades para gerar consumo. Eu não precisava daquele videogame, a propaganda é que estava me convencendo disto. Essa função, originalmente da publicidade, foi encampada pelo jornalismo quando os veículos perceberam que eles também precisavam de consumidores. O produto é a informação. A mídia agora precisa criar público para si mesma, resultando em todo tipo de palhaçada. O interesse da Globo não é difundir uma “mensagem de paz e esperança” pra ninguém. A Globo não ta nem aí para o discurso do papa. O objetivo aqui é que você ouça o cara, independente do que ele tem a dizer.

A situação está se tornando surreal a ponto de não conseguirmos mais saber direito quais coisas são ou não importantes. Estamos abertos a tudo, e um monte de baboseira ganhou status de informação. Por isso (também) esse vazio de conteúdo e a irritação de tanta gente com um assunto que nem deveria estar em pauta.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Reflexões decorrentes de nostalgia forçada


Toda vez que alguma lembrança enviesada e fora de rumo transporta minha mente para a esquina da Ramiro com a Ipiranga, em Porto Alegre, sinto o impulso de escrever algumas linhas sobre meu saudoso tempo como estudante universitário. Naquele endereço fica a FABICO, que agrega os cursos de Biblioteconomia e Comunicação, onde fui aluno no período de anos que circundou a virada do milênio. A Internet, naquele tempo, era ainda uma inovação e canais como este que utilizo para transmitir-lhes minha nostalgia estavam ainda sendo criados, num período que podemos chamar de pré-história do cyberespaço.

Não quero parecer um saudosista, mas a verdade é que os dias de faculdade ficarão irremediavelmente na memória de qualquer homem como o tempo de máxima liberdade e gozo que experimentou na vida. Não é diferente comigo. Ao contrário do que acreditávamos na época, o período em que se freqüenta uma faculdade é marcado por muito aprendizado, embora boa parte dele aconteça fora das salas e longe dos professores. As festas, as amizades, as conversas de corredor e até as aulas parecem-nos hoje, maquiadas pelo tempo, muito melhores do que eram então, e fico feliz que seja assim.

Uma de minhas lembranças mais marcantes é sem dúvida alguma o Restaurante Universitário, maior fonte de piadas e pesadelos do estudante da época. O feijão tão queimado que tinha cheirinho de café, o arroz com destacado espírito de coletividade, o bife James Bond (sim, a piadinha já era velha naquela época), a moça mal-encarada que entregava o tíket – acho que embaixo da gaveta ela guardava um tacape – faziam parte do meu cotidiano. A refeição barata subsidiada pelo governo era a única que se encaixava no meu orçamento, e não havia dia que eu não enfrentava aquela interminável fila que saía pra fora do prédio da Psicologia.

A refeição no Restaurante Universitário era simples, dividida sempre em uma fruta – laranja ou banana – algum tipo de salada, uma carne, arroz, feijão e um acompanhamento carboidrático, que podia ser polenta, macarrão ou pão. Este último, no entanto foi retirado do cardápio ainda no meu primeiro ano como estudante, e eu me formei sem nunca mais encontrá-lo. Talvez eu tenha sido um dos freqüentadores que mais sentiu a ausência do pão francês. Entendam, eu adoro pão, era capaz de comer oito desses de 50 gramas. Para facilitar a sua digestão – no RU ele estava sempre meio maçudo – eu mergulhava o cacetinho (tá, tá, já sei, até desloquei o apelido porque na outra frase ficava pior) no molho de salada (puro vinagre, na verdade), que eu servia em excesso já com esse propósito.

Se a comida do RU não agradava, o sujeito encontrava no pão um conforto seguro, uma garantia de receita industrializada. Por isso mesmo vocês podem imaginar a minha tristeza quando percebi que meu amigo de farinha e bromato não ia mais voltar. Ora, eu era um estudante, e como tal não podia aceitar uma decisão sem saber o motivo. Fiz uma investigação, interroguei as pessoas certas – o RU dispunha de uma nutricionista, que surpresa – e consegui a informação que procurava. Por causa dos cortes do governo, o pão tinha sido retirado do cardápio. Mas porque o pão? Era o item mais caro? Só se aquela polenta intragável fosse mesmo feita com serragem. Minhas indagações não ficaram sem resposta.

Vejam bem senhores, o pão tinha uma característica diferente dos outros alimentos servidos no bandejão: apesar de muito apreciado por este cronista, seu consumo não era regular. Tinha dias que não dava pra todos, às vezes sobrava de caixas. Fosse feita uma investigação mais cuidadosa, descobriria-se uma relação direta entre esse fenômeno e a variabilidade da qualidade da carne, que algumas vezes era um frango empanado e outras era uma espécie de quibe que tentava, sem sucesso, reunir numa mesma massa todas as carnes servidas na semana. Aparentemente, o público também via o pão como recurso para substituir receitas menos aceitas pelo estômago exigente do estudante universitário, embora nunca tenha visto ninguém mergulhá-lo no vinagre, esta patente era minha.

Como eu já afirmei anteriormente nesse texto, no período de estudante aprende-se fora da sala de aula tanto, ou mais, do que dentro dela. O caso do pão e da falta de verba permitiu-me perceber com clareza, talvez pela primeira vez na vida, a verdade prenunciada por Huxley e tantos outros, de que aquele que não se encaixa regularmente nas estatísticas está inevitavelmente fadado a exclusão.

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Nossos vícios

Os entendidos dizem que o vício existe porque temos dificuldade de aceitar que uma experiência perde sua intensidade a cada vez que é repetida. Assim, o alcoólatra está sempre procurando o prazer sentido no primeiro copo e o drogado inutilmente persegue o barato original. Isso se explica facilmente, já que a expectativa e a descoberta são em si fontes de volúpia.

Talvez em todas as experiências que nos causam prazer, nós estejamos tentando repetir um primeiro êxtase. De fraqueza humana, resulta a dependência, que é a falta de controle sobre o impulso da repetição insistente. A teoria faz bastante sentido, mas, como sempre, a generalização pode ser uma armadilha.

Caiamos.

Quando leio pela primeira vez um bom autor, procuro avidamente em seus próximos livros aquela sensação original que, entretanto, quase nunca se repete. O mesmo ocorre com os grandes filmes, já que eu pertenço àquela classe de pretensiosos que, contrariando toda razão, conferem autoria individual (em alguns casos, bem se entende) a uma tarefa indiscutivelmente coletiva.

E você? Consegue se lembrar qual o primeiro livro que leu de Cortázar, ou de Graham Greene? E qual o primeiro conto de Poe? Você se lembra da sensação de, numa sala suja repleta de afetados, assistir seu primeiro Bergman, Kurosawa, ou Buñuel? Me atrevo a perguntar: o segundo foi a mesma coisa? Ou você ainda percorre locadoras e sebos procurando em fitas obscuras e brochuras mofadas aquelas delícias nunca reencontradas? Desista. A primeira vez não volta nunca.

Muitas polêmicas de RU seriam resolvidas aplicando-se essa fórmula. Quem leu O Processo antes de O Castelo, vai sempre achar que o K. agrimensor era um sujeito meio banana, que lhe falta a gana de seu homônimo. Oito e Meio ou A Doce Vida? Depende de qual você alugou primeiro... A Montanha Mágica ou Os Buddenbrook? Mesmo critério. Prefere O Leopardo a Violência e Paixão? Ninguém mandou começar pelos clássicos. Aliás, para mim, David Copperfield e Oliver Twist foram apenas historinhas bacanas, depois das gargalhadas com o Sr. Pickwick.

Isso sem falar naqueles autores que nos decepcionam de verdade. Heinrich Böll é meu melhor exemplo. Há alguns anos, encontrei um livro de contos numa biblioteca e fiquei petrificado. Que secura, quanta ironia. De lá pra cá, cruzei com Herr Böll em uns quatro romances, mas só emplacamos frustrações. As vezes ele se agüenta, como em Fim de uma Viagem, mas nada nem parecido com aquela primeira vez.

Estendendo um pouco o raciocínio, deduzo que uma vez que literatura e cinema são em si um vício que afeta a quase todos (independentemente do pedantismo dessas citações de sobrenome) talvez esteja nos nossos primeiros livro e filme a origem de toda essa perseguição. Culpemos Disney e o Coelhinho Sapeca. Na verdade, não sei até que nível do inconsciente pode mergulhar essa fixação, talvez esteja exagerando. Mas sou capaz de jurar que, até hoje, nunca reencontrei o delírio de A Chave do Tamanho, em que a boneca Emília reduz todos os habitantes da terra ao tamanho de formigas, exigindo muitas soluções criativas por parte da turma do Sítio.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Elogio de Montaigne


Por inúmeros motivos, considero Michel de Montaigne (1533-1592) um legítimo precurssor dos blogueiros. A diversidade de temas, as brilhantes fontes citadas, o ponto de vista absolutamente pessoal, o jeito de filosofia cotidiana, a surpreendente modernidade de sua prosa leve e bem escrita, a erudição inegável, a informalidade do texto, os caminhos obscuros percorridos pelos raciocínios até atingir seu propósito, a coragem de se contradizer sem negar o que havia escrito no passado. Tudo é pura blogagem.

Como ele escrevia para si, não subestimava seu público, maior pecado da narração moderna (seja televisiva, literária, cinematográfica...). Tal é a sinceridade e o frescor das idéias que seus Ensaios parecem ter sido ditados e transcritos sem correções. Neles, o autor hesita, especula, muda de assunto repentinamente (o ensaio chamado “Da semelhança dos filhos com os pais” é dedicado quase inteiramente a apontar o charlatanismo da medicina). Suas idéias parecem um pouco desordenadas? Montesquieu nos explica: “a maior parte dos autores escreve; Montaigne pensa”.

Seguem dois humildes exemplos colhidos a esmo na minha cabeceira.

Sobre a posteridade, no encerramento do Livro Segundo:

“Se fosse desses a quem o mundo deve render homenagens, contentar-me-ia com metade delas, conquanto pagas adiantadamente... E que se esvaíssem por completo ao fim da minha vida, quando seus sons suaves não me penetrassem mais os ouvidos.”

Sobre a pretensão racionalista diante do inexplicável (Livro Primeiro, Ensaio XXVII):

“É tola presunção desdenhar ou condenar como falso tudo o que não nos parece verossímil, defeito comum aos que estimam ser mais dotados de razão que o homem normal.”

Minha razão me impeliu a reconhecer que condenar uma coisa de maneira absoluta é ultrapassar os limites que podem atingir a vontade de Deus e a força de nossa mãe, a natureza; e que o maior sintoma de loucura no mundo é reduzir essa vontade e essa força à medida de nossa capacidade e de nossa inteligência. Chamemos ou não monstros ou milagres às coisas que não podemos explicar, não se apresentarão elas em menor número à nossa vista.”

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Importante



É sempre um privilégio testemunhar a utilização da inteligência humana para atingir grandes objetivos.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Duas realidades


O forte aqui, já se nota, não são as grandes novidades e as sacadas originais. Mas a imagem acima, sugada descaradamente do Michelson, tem o seu valor.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Por relacionamentos mais transparentes

Quando se apresenta diante de uma mulher pela primeira vez, o homem comum não tem idéia do peso que suas palavras assumem. A negligência, nesse dia, pode ser fatal.

No momento inaugural de um relacionamento, é dada ao homem a oportunidade de falar de todos os defeitos aos quais encontra-se emocionalmente apegado, declarando-os como faz à Receita com os seus quinze mil em despesas médicas. A malha fina também existe nesse caso, mas o risco deve ser corrido. Isto porque, como se sabe, todas as falhas apresentadas no primeiro encontro são previamente perdoadas, aceitas como parte da personalidade do homem, talvez até como a face obscura de suas virtudes. Quase todas, pelo menos. De qualquer forma, esse infeliz não terá uma segunda chance. Não conheço nenhum caso de mulher que aceite “esqueci de te dizer no outro dia, mas tecnicamente, ainda estou sob condicional” com uma semana de atraso. Nesse encontro fatídico, aliás, o uso de álcool não é aconselhado a nenhuma das partes sob pena de termos, por um lado, compreensão indesejavelmente embotada e, por outro, descrições excessiva e desnecessariamente vívidas.

A confissão masculina, é natural, deve ser cronologicamente anterior a qualquer envolvimento real. Mais importante, deve ser verbalizada. Reside aí o principal segredo. Ao demonstrar um defeito perceptível sem claramente descrevê-lo, estamos seduzindo a mulher com o sonho da transformação, da cura, da doma. É esta uma armadilha comum. Embora aumente muito a chance de triunfo na conquista, esse sucesso será apenas momentâneo, porque o espírito conversor de uma mulher, uma vez desperto não descansará até ter completado seu propósito. Não incorra nesse erro. Melhor será percorrer caminhos mais seguros, mesmo que menos eficazes.

Uma vez lembrada no momento certo, a falha poderá ser eternamente defendida como parte do pacote ‘pegar ou largar’ da estréia. Por isso, tome tempo na sua primeira conversa com uma mulher. Se possível, faça anotações prévias, utilizando-se das modernas técnicas de memorização. Ao discorrer sobre as podridões, apresente-as relacionadas por um encadeamento lógico e dentro de contextos maiores. Os familiares são muito comuns, mas os psicológicos e os sociais têm sido bem aceitos. Os biológicos, como as alergias, são infalíveis, mas não convém abusar (sogras, sobrinhos pequenos e shopping centers foram testados sem sucesso).

Certifique-se de que está sendo ouvido e compreendido - um erro comum, para amadores, mas que já nos custou dois goleiros no domingo. Apegue-se aos detalhes, fale com calma e seja específico. As ex devem ser citadas nominalmente. Comece pelos fatos mais importantes e avalie as reações da sua interlocutora enquanto avança no assunto. Não se arrisque demais (não, poligamia exclusivamente masculina não é um modo de vida comum nas Ilhas Fiji) mas seja inflexível. Lembre-se que uma fronteira está sendo criada ali, um limite que pode representar paz ou tormentos pelos anos vindouros. Todos sabemos o quanto a diplomacia frouxa custou à Europa nos anos 30.

Em tudo, procure bom senso. A conquista continua sendo o propósito principal, portanto, pegue leve. Entenda ainda que toda mulher também tem seus esqueletos guardados, essa é a hora de fazer concessões. O escambo é sempre bem vindo, mas cuidado para não sair perdendo, pois elas costumam ser excelentes nisso. Um último detalhe: você não sabe com quem está conversando, portanto tenha em mente que seu futuro pode estar em jogo. Se alguém tivesse me dado esses conselhos há alguns anos, eu não teria passado o último feriado arrancando carrapatos de quatro vira-latas debaixo de um sol de 40°, a 150 km da piscina mais próxima.

Boa sorte.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

A felicidade no quase-ser

Curiosidade, nostalgia ou excitação têm em comum a particularidade de não ser alguma coisa. Quando você descobre, não está mais curioso; se recorda, é porque não é – ou tem, ou faz, ou está – mais. É próprio da excitação o dissipar-se no próprio ato consumatório.

Desfrutar, aliás, não é senão uma substituição de sensações, que parte da expectativa e gera satisfação ou decepção. O passeio à praia pode se revelar um acontecimento desastroso, ao contrário do que acontecia quando era apenas um projeto, uma expectativa na mente da criança. O princípio se aplica a um sanduíche ou ao corpo de uma mulher que vemos na rua.

Ao contrário da satisfação, que para ser plena depende de fatores como competência, capacidade individual, superação e resultados, a expectativa se basta. Rememorar o passado, investigar, alimentar o apetite. O último segundo da espera será, na verdade, o ápice da felicidade. Isso mesmo, felicidade. Ao contrário do que se crê, felicidade é um estado de espírito bastante comum, talvez banal mesmo, experimentado diariamente por milhões de pessoas.

Mas a definição mística e nebulosa de felicidade faz com que as pessoas se sintam cada vez mais distantes dela e aumenta a pressão que as pessoas sentem por se perceber felizes. Precisa-se agora do atestado alheio de felicidade. Por isso o Ter, o Mostrar, o Parecer. Por isso a propriedade ostensiva. Por isso pessoas que colocam para si objetivos que levam anos para ser atingidos – quando o são, e à custa de quantos sacrifícios! – e fazem dessa satisfação a única fonte potencial de felicidade. Essas distorções conceituais encobrem uma série de disfunções facilmente detectáveis nas neuroses do homem moderno.

A felicidade está ali, um segundo antes de onde a procuramos.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Inferno lotado

Às vezes, é preferível saber-se errado a concordar com os imbecis

E pior é que os imbecis podem, sim, ter razão e boas intenções. Ontem, numa aula prática de cidadania e respeito à liberdade individual, fui forçado a descer de um ônibus para participar de um “ato democrático”.

Para ilustrar: “não adianta ficar no ônibus, não adianta insistir, se não descer todo mundo, não tem assembléia, a gente fica aqui o dia todo” ou – contra uma moça que perguntou da democracia – “moça, democracia é o povo todo na rua, brigando pelos nossos direitos.”

Eu sei que nenhum dos dois sabe exatamente o que é democracia. E sei que a Emenda 3 cheira a oficialização do abuso contra os direitos trabalhistas. Mas também sei que nem ela nem eu queríamos descer do ônibus.

Em poucos segundos, entendi o ressentimento que existe contra as pessoas – muitas hoje no poder – que conseguiram tantos avanços sociais utilizando-se de métodos por vezes discutíveis. É a velha história do jogo político, repetindo-se tediosamente, com promoção pessoal e papagaida no palanque, coação coletiva e manipulação barata. Mas o pior, como sempre, é o avilte à minha inteligência, com os onipresentes gerúndios e os argumentos descabidos.

Passada a raiva, a contrariedade reflexiva. É lícito forçar povos ou indivíduos a evoluir, impingindo-lhe benefícios reais contra a sua vontade? Catequização dos índios, islamismo ortodoxo e intolerante, invasão de Bagdá, castração feminina na África, sistema de castas na Índia, movimentos neo-nazistas, a sua vizinha que dá metade do salário pro pastor, por aí vai.

Ainda nada de novo, eu sei. Mas sou apenas um ingênuo principiante.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Não quero falar de futebol

Não logo assim de saída. Vou falar de mídia, mas prometo que não vou contar nada novo.

A imprensa, em qualquer lugar do mundo, seja política, econômica ou esportiva, vive cada vez mais dos fatos midiáticos. Holofotes, apelo popular, tragi-comédia, os temperos de sempre. A verdade? Só se não for atrapalhar.

O lance agora é esperar o gol mil do Romário. A contagem mágica começa em 1979 (o baixinho tinha 13 anos) e inclui os gols anulados do Brasileirão de 2005, que ninguém pôde contar e chegou a decidir o campeão daquele ano. Tem até gol contra o time “Amigos do Luisinho”. Pois é. Mas pra gerar assunto pro babaca do Galvão, vale tudo.

Não sei por que fiquei tão surpreso, segunda-feira, ao ver até uma matéria no Jornal Nacional. A Globo já abandonou o adendo “na sua própria contagem” pra não tirar o brilho desse evento fantástico, espetaculoso e tentadoramente midiático, que infelizmente não aconteceu no Dia da Mentira.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Do que nos aguarda

Entendendo a cada instante ouvir o que me dita a consciência disforme e semi oculta, escrevo com os olhos voltados para as letras, pequenas e bravas feras que, mesmo dispostas de forma a apenas me obedecer e respeitar qualquer dos meus comandos, fogem aflitas e rebeldes quando preciso que parem, ou quase se congelam quando necessito de sua vibração. São letras insubmissas e dissolutas e as palavras que formam só poderiam ser tais: aberrações, sustos gramaticais, vocábulos quase desprovidos de sentido ordenado. Sim, as palavras são feias, mas apenas se mostram assim por culpa das letras que as formam. Que culpa poderíamos, portanto, impingir às frases, orações coordenadas e subordinadas às mais imprudentes palavras, construídas às pressas por letras contumazes e devassas. Esse inteiro parágrafo, aliás, como tantos outros, foge daquilo que pretendia para o texto. Mas, como autor, vejo-me obrigado a prosseguir, a mais ignóbil forma de desistência. A resignação pacífica e motivadora de continuidade estéril é força maior que domina o resto desses escritos. Fuja deles o leitor, já que como autor, não pude. Se ficar, não me julgue covarde, ou desatento, fingido, fraco, volúvel ou sentimental. São esses defeitos que poderiam ser facilmente convertidos em virtudes, mas me abstenho de fazê-lo porque são ainda assim mais sinceros como falhas do que como acertos, e superam em pureza aquilo que tinha planejado para essas linhas. A mesma explicação serve para a compreensão da minha última e maior fraqueza, que é um orgulho de, mesmo dominado por textos desobedientes, seguir exigindo os préstimos do leitor, esse pobre coitado que chegou até aqui sem saber o que lhe espera, mas já adivinhando que pouco ou nada pode lhe agradar. Que seja, que lhe desagradem essas linhas. Não são só minhas, ou suas, tampouco pertencem a si mesmas. Independente de quem perturbam, estão aí. Não sendo mais o leitor uma vítima desavisada desse engodo, entregue-se a contemplação que, afinal, tanto nos honra.

terça-feira, 3 de abril de 2007

post zero

Pois é. O mundo estava mesmo precisando disto. Mais um cretino para dar sua opinião. Ninguém faz porcaria nenhuma, mas palpite a gente tem de monte. Aproveite.