sexta-feira, 11 de julho de 2008

O que Saulo pensa do mundo e outras histórias



Esse blog segue provando sua inutilidade ao comentar um livro lançado há uns seis meses e lido há três. E mais: superficial e escrito às pressas. O post, explica-se.

Código da Vida, do super-advogado Saulo Ramos, narra uma disputa familiar muito interessante, mas que se encontra muito dispersa no livro. No texto, as memórias de Saulo tem a primazia, nem poderia ser diferente. Saulo Ramos com certeza tem muita histórias para contar. Essa e a melhor parte de seu livro. Ele não conta de ouvir falar. Estava lá.

Mas do ponto de vista literário, Código da Vida é bem fraco, a começar pelo título. Mesmo sendo extremamente culto, Dr. Saulo mostra que não desenvolveu bem seus recursos literários, especialmente os narrativos. Alguns diálogos são muito discursivos, as transições para os flash-backs são forçadas. Ramos não se alonga na caracterização de seus personagens, que em geral são apresentados com elogios nada descritivos e algo constrangedores. Um dos personagens me parece inventado. Nada demais, um recurso aceitável para esse tipo de livro, mas o problema é que Saulo usa ele para expor a maior parte de suas opiniões, o que soa pouco honesto. Essas opiniões – embasadas em anos de convivência com apolítica e intimidade com as leis – são, em geral, bem articuladas e coerentes com as posições assumidas pelo homem público.

Amigos de Ramos (disfarçados de críticos literários) louvaram o ecletismo dos temas abordados e os poucos comentários jurídicos mais profundos, como se isso pudesse estragar o livro. Não sei se sou só eu, mas de um advogado, prefiro ouvir sobre leis do que sobre o Bush. Paciência.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Toco tu boca

A voz é do próprio Cortázar:

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Para quê? Para quem?


Bob Woodward é o grande jornalista investigativo do mundo. Os bons incomodam ministros, constrangem empresários. Ele derrubou Nixon.

De 70 e poucos pra cá, muita coisa mudou.

O encanto foi quebrado, a presidência passou a ser escrita em minúsculo. A democracia amadureceu, a tecnologia evoluiu, a sociedade desenvolveu mais recursos para fiscalizar seus governantes. Outros bons jornalistas se apresentaram, e Bob incrementou seus contatos em Washington.

No seu segundo livro sobre Bush Jr. (Plano de Ataque, 2004), Woodward melhorou a resolução de seu retrato de um presidente influenciável, pouco preparado e inseguro a ponto de não mudar de opinião diante das evidências.

Mas os tempos são outros.

Bush Jr. não parece correr qualquer risco, fora o fracasso eleitoral tardio.

Woodward contrapõe seu retrato com declarações tiradas de uma longa entrevista com o próprio Bush. O jornalista agora tem uma barriga e menos cabelos. Em vez do Deep Throat, seus contatos são generais e assessores presidenciais que falam on the record. Mas não é a mudança de Woodward que se lamenta. Seu retrato ainda é relevante. Ele não grita mais, mas seu sussurro tem valor. O problema é que a sala está vazia.

A verdade é que, além do incremento das formas de controle sobre desmandos políticos, esses trinta anos assistiram a e uma lamentável decadência da imprensa e uma massiva alienação do público. As duas cresceram juntas, uma ajudando a outra.

Nos anos 70, Bob trabalhava para o Washinton Post. Você imagina um jornalista do Post derrubando Bush? Pois é, foi o que aconteceu.

Greg Palast, o mais parecido que temos com um novo Woodward, tem ótimos recursos, a Internet, um bom jornal inglês. Mas tem também um rótulo do tamanho de sua coragem. Com uma ajudinha incidental de Michael Moore, a imprensa usa os rótulos para relativizar qualquer denúncia política de ordem não-sexual.

Se Bush tivesse se deitado com sua cadela, teríamos uma chance. O próximo presidente americano só poderá ser derrubado pelo Daily Mirror, ou coisa que o valha.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Ele voltou



Neste domingo, Leonard Cohen apresentou-se ao vivo depois de 15 anos sem fazer shows. Foi em Fredericton, no Canadá, sua terra natal. Há muitos anos eu aguardo e procuro avidamente por informações sobre uma possível, mas muito improvável turnê. Cohen tem 73 anos. São 13 a menos que Chuck Berry (pretendo vê-lo em junho) mas é muita coisa. Há algumas semanas, fiquei sabendo do anúncio momentos depois de noticiado pela Reuters, poucos minutos depois da declaração de Cohen. Cheguei a planejar uma viagem à Europa para assistir alguns shows, mas as circunstâncias tornaram impossível.

Cohen cantou vinte de suas músicas, todas clássicas, todas maravilhosas e foi elogiado por todos. Antes de começar, recebeu mais de dois inutos de aplausos. É claro que não seria diferente, mas ver algumas fotos e imaginar o acontecido me deixou realmente arrepiado.

Existem rumores de que a turnê pode passar por aqui em outubro, no Tim Festival. Tenho alguma coisa para sonhar.

No show de domingo.

Num ensaio, alguns dias antes.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Os vários lados de um leitor

(post atrasado em homenagem ao dia da mulher)





Sou um homem de muitos lados, de múltiplos interesses. Num sebo, todos eles se aguçam diante da imensa variedade de capas emboloradas e odores duvidosos.

Meu lado interessado em autodesenvolvimento às vezes me conduz para prateleira dos livros em inglês.

Essas prateleiras, às vezes por um real, nos vendem pequenas jóias. Meu lado, digamos, mais Tio Patinhas aprova esse tipo de ambiente.

Num desses cantinhos, a atenção do meu lado cinéfilo foi despertada para Notes, de Eleanor Coppola. Pocket, um pila.

É o diário da esposa de F. F. Coppola durante a produção de Apocalipse Now. A contracapa sensacionalista mostrava uma cronologia de negociações de contrato para os papéis de Willard e Kurtz. Pacino, Nicholson, Brando. Confesso, meu lado E!maníaco também ficou atiçado.

Mas foi meu lado mais sensível que gostou de Notes. É o retrato diário de uma mulher de personalidade discreta lutando para manter o casamento durante o mais excêntrico desatino do marido genial. Uma obra-prima tem sempre um preço para seu autor. Mas muitos pagam esse preço com ele, principalmente no caso do cinema, a única arte que nunca será totalmente individual. No meio do desvario nas Filipinas, cenas gravadas com atores bêbados ou drogados, temor constante de ataques rebeldes, acidentes com os helicópteros, ataque cardíaco quase fatal do protagonista, tufões destruindo o set. Mas o foco da autora é no próprio drama, abrindo mão do conforto de São Francisco, tentando criar e proteger os filhos no meio da selva, enxergando pela primeira vez a infidelidade matrimonial do marido, fincando o pé no casamento. Fantásticas as mulheres. Não conheço um homem que se submeta a tantos sacrifícios pela realização do sonho de sua mulher, e ainda aceite um papel secundário e humilhante na conquista.

Todos os meus lados estão satisfeitos com minhas idas ao sebo, menos minha “melhor metade”, que é quem tira o pó das prateleiras e depois passa cinco dias reclamando da asma.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Dylan e eu

Bob Dylan foi uma das primeiras coisas em termos de arte cultura que eu gostei por mim mesmo (na medida em que isso existe). Até então, meu gosto musical era o dos meus pais, eventualmente de alguns amigos. Descobri Dylan nos créditos de um LP da minha mãe. Peter, Paul & Mary, provavelmente. Escarafunchei, arrangei o CD de 30 anos de carreira, com caras como Eric Clapton, Eddie Vedder, George Harrison. Aquele CD virou referência para mim, um ponto de partida para meu gosto musical próprio. Ainda curto MPB, Beatles e música clássica, mas desde então eu desenvolvi minhas prórpias preferências. Coisa importante prum moleque de uns 12, 13 anos.

Em 1998 tirei a carteira, peguei o carro emprestado dos meus pais e fui dirigindo sozinho (pela primeira vez) para o show do Dylan no Opinião, em Porto Alegre. Dez anos atrás. Ontem peguei meu próprio carro, atravessei a rodovia dos Bandeirantes para assistir o Dylan no Via Funchal, em São Paulo. Eu poderia escrever umpost sobre cada música, sobre as letras, os arranjos do show, a integração com outros fans. Vou poupá-los.

Meu gosto musical não é só meu. Porque não o criei sozinho, porque não é exclusivo. Como tudo que temos na vida, é uma pequena e insignificante parte de tudo que está a nossa volta, mas representa um pequeno tesouro para nós, que o contemplamos com orgulho.

Pra quem gosta, e estiver disposto a agüentar meu limitado inglês autodidata, dê uma olhada na resenha e no set list do show de ontem. O site é fruto de colaborações semi anônimas ao redor do mundo. É meu conhecido a anos, considerado o principal meio de acompanhar as turnês do Bob, e recomendado para esse fim pelo próprio site oficial do artista. Eu o acessava semanalmente esperando confirmações e boatos sobre a chegada de Bob ao Brasil.

No show que assisti em 98, a resenha é do Eduardo Bueno, o Peninha, escritor conhecido nacionalmente por seu humor, seu conhecimento de história e péssimo gosto futebolístico. O que poucos sabem é que Peninha é um especialista em Dylan. Um boato antigo dá conta que ele quase conseguiu autorização para uma biografia oficial há alguns anos, coisa considerada impossível até hoje (o Cameron Crowe também já foi enquadrado nesse rumor).

Hoje, a resenha é a minha. Pior para os (pouquíssimos) leitores. Mas eu vou poder, de vez em quando, contemplar em silêncio uma pequena demonstração pública do meu gosto, das minhas preferências, da minha individualidade.

terça-feira, 4 de março de 2008

Que sujeito chato sou eu


Para se tornar uma pessoa totalmente feliz e integrada à sociedade, Antoine decide que precisa abrir mão de sua inteligência, doença que o tem prejudicado há desde a infância. Essa é história de “Como me tornei estúpido”, de Martin Paige. Apesar dos recursos do Google, não consegui descobrir se Paige conhece Raulzito (teoria, em Ouro de Tolo) ou Pedro Bial (prática, em Big Brother Brasil).

Mesmo sem ser totalmente original, a idéia é boa. A execução, razoável. É claro que a ironia está lá, mas um pouco evidente demais. Em função do paralelo entre os personagens, me lembrei de Zeno, mas ali sim o sarcasmo era sutil, quase invisível. Acho que Paige temeu pela capacidade de seus leitores, o que é compreensível e até sensato, mas prejudicou seu livro. Conclusão sobre literatura contemporânea, típica do personagem, aliás: se você quer escrever com inteligência e ironia, ignore todos os sinais da sua geração e não a subestime. Receita para o fracasso comercial, provavelmente.

Entre os méritos, algumas risadas, mais pra primeira metade, e a abordagem leve de Paige, que felizmente não se aprofundou demais onde não precisava. Além de Svevo, lembrei de Vonnegut, Oscar Wilde, Buñuel, Niesztche e – heresia minha ou plágio dele – Cortázar, já que a descrição dos amigos de Antoine é a coisa mais Rayuela que li recentemente. Aprovado, com restrições.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Milão

É muito diferente conhecer uma cidade como morador ou como visitante. E mais ainda quando o propósito da viagem é simplesmente passeio e compras. Essa diferença ficou clara para mim em Milão. Constantemente, ouço as pessoas compararem-na a São Paulo. De fato, as semelhanças são evidentes. Mas acho que como ex-morador e eventual visitante a trabalho, a minha imagem da metrópole brasileira já está muito maculada pela fumaça, pela sujeira, pelos intermináveis subúrbios.

De todos os destinos do meu roteiro mediterrâneo, Milão é o que menos me despertava interesse, provavelmente influenciado por essa comparação com São Paulo. Quando me lancei ao Google, procurando atrações na mais rica cidade italiana, minhas expectativas começaram a crescer. Quando cheguei, as impressões foram as melhores possíveis. As ruas de pedra, as pessoas bem vestidas, os edifícios baixos, os bons restaurantes.




Acho que Milão se tornou minha referência européia. Mesmo não sendo o lugar mais interessante ou mesmo bonito que visitei, acabou sendo aquele que mais tenho vontade de voltar.






Milão é, antes de mas nada, o Duomo. Essa impressionante catedral – a 3ª maior do mundo, me dizem – é visível de muitos pontos da cidade e se torna uma referência inevitável para o visitante. A praça que a cerca é bela, e sempre lotada.




Nos arredores, a galeria Vittorio Emanuelle, com lojas e restaurantes que fazem a alegria dos turistas, antigos palácios convertidos em prédios públicos, o Scala. Mais longe um pouco, igrejas lindíssimas, museus, o Castelo Sforzesco. Quem leu a excelente biografia de Visconti por Schifano já percorreu esses lugares com a mente.






Tive pouco tempo para os museus, selecionei três pelas informações do Google.

A pinacoteca Ambrosiana, no edifício duma bela igreja, foi uma surpresa positiva, com um esboço da Escola de Atenas de Rafael, um singelo Leonardo, um Ticiano, um Botticelli e alguns divertidos quadros dos miniaturistas Bril e Brueghel, possivelmente a melhor parte.



O Poldi Pezzoli, pela fama e por se seguir à Ambrosiana, decepcionou um pouco, mas agradou aqueles que preferem objetos a quadros. É uma casa-museu e a entrada é bonita. Tem uma sala de armaduras, uma de relógios, algumas pequenas esculturas.





O grande museu milanês é a Pinacoteca di Brera, sem dúvida. Ali eu me achei. Não adianta, meu negócio em museu são os quadros. E na Brera, temos centenas deles, grandes, lindos. São 39 salas amplas, os artistas em ordem cronológica. Não me sai da lembrança o São Jerônimo de Ticiano, o Casamento da Virgem de Rafael, São Marcos Pregando em Alexandria, de Bellini, um Caravaggio (um de meus pintores favoritos, fartamente reencontrado na ilha de Malta, alguns dias depois), um Rubens. Quadros e mais quadros, um lugar imenso, para se passar dias inteiros.





A volta para o hotel, à noite, foi por uma bairro de cafés e restaurantes, vendedores de calçada e igrejas iluminadas. Como não se encantar?