quinta-feira, 24 de maio de 2007

Receita da canja

"Denúncias feitas por fontes para repórteres não contam mais com a confiança dos editores. Os próprios jornalistas já não contam com essa confiança. E as fontes mínguam num caldo de apatia."

O Café estreiou com tudo no Falácias batendo com classe e conhecimento de causa na nossa amiga de sempre. O viés, enganchado de um post do Cecconi no mesmo blog, é a relação conflituosa entre editores e jornalistas. História velha, mas que ajuda a entender um pouco a piada de imprensa que temos por aqui. O troço tá nivelando por baixo, o Café nos explica: a covardia virou prudência, que virou virtude.

[...]"os critérios empregados para a publicação de uma reportagem apontam mais para o baixo potencial de dano que as 'denúncias' podem ter do que para aquilo que é importante para a sociedade saber."

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Falta de assunto

Que bela maneira de tirar o brilho de um grande prato a mania de explicar em detalhes a maneira como o alimento foi preparado. E fazê-lo enquanto estamos comendo! Nossa língua ainda aprecia uma torta de salgada inesquecível, mas o prazer começa a desaparecer aos poucos, enquanto uma implacável voz feminina desfia: “você coloca a massa no forno enquanto mistura o recheio com o creme de leite...”.

E os documentários que mostram a filmagem de uma cena de cinema? Um sujeito comum (nem parece o ator!), com um cenário incompleto no fundo, cercado por uma multidão de cabos, luzes e pessoas, repetindo a mesma frase umas vinte vezes. Aí ele faz um movimento artificial, como uma girada rápida de corpo. Fica olhando o vazio com uma expressão facial forçada (que no filme eu mal reparei), depois recomeça tudo. Essas cenas sempre me lembram da primeira vez que vi o William Bonner (no videoshow, confesso) apresentando o Jornal Nacional de bermuda. E elas invariavelmente tiram o encanto do filme.

Certos prazeres dependem muito dos mistérios que envolvem sua fabricação/produção.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Samuel Beckett

Em Companhia, um de seus últimos trabalhos, Beckett parece ter criado seu personagem ideal. Nu, sem nome ou lembranças definidas, sem quaisquer certezas, nem mesmo de sua identidade. Só sabe que ainda vive, porque divaga. Está no escuro e ouve uma voz, mas será que essa voz existe mesmo? O texto é hermético e despojado de artifícios, como o personagem. Sem ação ou reflexão. Um tapinha.

Em outra escuridão ou na mesma, um outro, criando tudo pela companhia. Isso, à primeira vista, parece claro. Mas, à medida em que os olhos se detêm, vai ficando obscuro. Na verdade quanto mais os olhos se detêm mais obscuro fica. Até que os olhos se fecham e, livre da observação atente, a mente indaga, Que significa isso? Que, afinal, significa isso, que parecia claro à primeira vista? Até que a mente também dá a impressão de se fechar. Como se fecharia a janela de um quarto escuro e vazio. A única janela que dá para a escuridão exterior. Depois, nada mais. Não. Infelizmente, não. Restam ainda os tênues lampejos de luz, e a agitação. Incessante”.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sejam bem-vindos

Comecei hoje a divulgar esse blog. O objetivo inicial dele é desovar digressões prosaicas, crônicas reflexivas e outros tipos de bobagem oriundas desse nascedouro quase estéril que é a minha cabeça.

Como não vai melhorar nada mesmo, acho que já pode ser aberto para a horda incontrolável que vai invadir esse espaço depois que eu passar o e-mail (previsão otimista: umas 6 pessoas).

Leiam, comentem, perguntem, discordem, critiquem, palitem, divulguem.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Um ano de saudades

O papa não é tão pop


É claro que eu nunca conseguiria me expressar da mesma forma que o Sean e a Márcia (talento de menos e pudores demais)- até porque não tenho exatamente a mesma opinião - mas compartilho o sentimento de revolta que a visita do “sucessor de São Pedro” (sic) provoca em todos nós. Gente, isso tá parecendo Copa do Mundo. É em todo lugar a toda hora. Esse excesso de exposição prejudicaria até a imagem do Pelé (exemplos extremos nos ajudam a visualizar certos fatos).

Essa viagem é uma combinação fatal. O excesso de valorização da visita de um líder religioso ao país e as posições historicamente arrogantes e agressivas, parcialmente anti-bíblicas e portanto incoerentes e hipócritas da Igreja Católica. Pessoalmente, minhas discordâncias com a figura são de ordem mais técnica (no fundo sou um moralista convicto), que não cabem aqui, até porque o texto não é sobre religião, nem sobre o papa. Isso mesmo. Estou falando dela, a maldita mídia.

Acredito que o papa tem o direito de não abrir mão de suas crenças (incluindo as babaquices) e de manifestá-las publicamente, mesmo discordando da maioria. Ele representa legitimamente um grupo (a Igreja Católica, não o cristianismo) e fala em seu nome. Só que eu creio que a opinião de B16 sobre camisinha, aborto ou homossexualismo diz respeito somente aos que querem ouvi-lo. O problema no que o cara pensa sobre céu ou inferno é que tem gente demais repetindo. Pombas, a gente tem ouvido opinião até da Preta Gil. Será que estamos tão ávidos assim?

Quando eu era pequeno, me ensinaram que a mídia cria falsas necessidades para gerar consumo. Eu não precisava daquele videogame, a propaganda é que estava me convencendo disto. Essa função, originalmente da publicidade, foi encampada pelo jornalismo quando os veículos perceberam que eles também precisavam de consumidores. O produto é a informação. A mídia agora precisa criar público para si mesma, resultando em todo tipo de palhaçada. O interesse da Globo não é difundir uma “mensagem de paz e esperança” pra ninguém. A Globo não ta nem aí para o discurso do papa. O objetivo aqui é que você ouça o cara, independente do que ele tem a dizer.

A situação está se tornando surreal a ponto de não conseguirmos mais saber direito quais coisas são ou não importantes. Estamos abertos a tudo, e um monte de baboseira ganhou status de informação. Por isso (também) esse vazio de conteúdo e a irritação de tanta gente com um assunto que nem deveria estar em pauta.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Reflexões decorrentes de nostalgia forçada


Toda vez que alguma lembrança enviesada e fora de rumo transporta minha mente para a esquina da Ramiro com a Ipiranga, em Porto Alegre, sinto o impulso de escrever algumas linhas sobre meu saudoso tempo como estudante universitário. Naquele endereço fica a FABICO, que agrega os cursos de Biblioteconomia e Comunicação, onde fui aluno no período de anos que circundou a virada do milênio. A Internet, naquele tempo, era ainda uma inovação e canais como este que utilizo para transmitir-lhes minha nostalgia estavam ainda sendo criados, num período que podemos chamar de pré-história do cyberespaço.

Não quero parecer um saudosista, mas a verdade é que os dias de faculdade ficarão irremediavelmente na memória de qualquer homem como o tempo de máxima liberdade e gozo que experimentou na vida. Não é diferente comigo. Ao contrário do que acreditávamos na época, o período em que se freqüenta uma faculdade é marcado por muito aprendizado, embora boa parte dele aconteça fora das salas e longe dos professores. As festas, as amizades, as conversas de corredor e até as aulas parecem-nos hoje, maquiadas pelo tempo, muito melhores do que eram então, e fico feliz que seja assim.

Uma de minhas lembranças mais marcantes é sem dúvida alguma o Restaurante Universitário, maior fonte de piadas e pesadelos do estudante da época. O feijão tão queimado que tinha cheirinho de café, o arroz com destacado espírito de coletividade, o bife James Bond (sim, a piadinha já era velha naquela época), a moça mal-encarada que entregava o tíket – acho que embaixo da gaveta ela guardava um tacape – faziam parte do meu cotidiano. A refeição barata subsidiada pelo governo era a única que se encaixava no meu orçamento, e não havia dia que eu não enfrentava aquela interminável fila que saía pra fora do prédio da Psicologia.

A refeição no Restaurante Universitário era simples, dividida sempre em uma fruta – laranja ou banana – algum tipo de salada, uma carne, arroz, feijão e um acompanhamento carboidrático, que podia ser polenta, macarrão ou pão. Este último, no entanto foi retirado do cardápio ainda no meu primeiro ano como estudante, e eu me formei sem nunca mais encontrá-lo. Talvez eu tenha sido um dos freqüentadores que mais sentiu a ausência do pão francês. Entendam, eu adoro pão, era capaz de comer oito desses de 50 gramas. Para facilitar a sua digestão – no RU ele estava sempre meio maçudo – eu mergulhava o cacetinho (tá, tá, já sei, até desloquei o apelido porque na outra frase ficava pior) no molho de salada (puro vinagre, na verdade), que eu servia em excesso já com esse propósito.

Se a comida do RU não agradava, o sujeito encontrava no pão um conforto seguro, uma garantia de receita industrializada. Por isso mesmo vocês podem imaginar a minha tristeza quando percebi que meu amigo de farinha e bromato não ia mais voltar. Ora, eu era um estudante, e como tal não podia aceitar uma decisão sem saber o motivo. Fiz uma investigação, interroguei as pessoas certas – o RU dispunha de uma nutricionista, que surpresa – e consegui a informação que procurava. Por causa dos cortes do governo, o pão tinha sido retirado do cardápio. Mas porque o pão? Era o item mais caro? Só se aquela polenta intragável fosse mesmo feita com serragem. Minhas indagações não ficaram sem resposta.

Vejam bem senhores, o pão tinha uma característica diferente dos outros alimentos servidos no bandejão: apesar de muito apreciado por este cronista, seu consumo não era regular. Tinha dias que não dava pra todos, às vezes sobrava de caixas. Fosse feita uma investigação mais cuidadosa, descobriria-se uma relação direta entre esse fenômeno e a variabilidade da qualidade da carne, que algumas vezes era um frango empanado e outras era uma espécie de quibe que tentava, sem sucesso, reunir numa mesma massa todas as carnes servidas na semana. Aparentemente, o público também via o pão como recurso para substituir receitas menos aceitas pelo estômago exigente do estudante universitário, embora nunca tenha visto ninguém mergulhá-lo no vinagre, esta patente era minha.

Como eu já afirmei anteriormente nesse texto, no período de estudante aprende-se fora da sala de aula tanto, ou mais, do que dentro dela. O caso do pão e da falta de verba permitiu-me perceber com clareza, talvez pela primeira vez na vida, a verdade prenunciada por Huxley e tantos outros, de que aquele que não se encaixa regularmente nas estatísticas está inevitavelmente fadado a exclusão.