sexta-feira, 27 de abril de 2007

Elogio de Montaigne


Por inúmeros motivos, considero Michel de Montaigne (1533-1592) um legítimo precurssor dos blogueiros. A diversidade de temas, as brilhantes fontes citadas, o ponto de vista absolutamente pessoal, o jeito de filosofia cotidiana, a surpreendente modernidade de sua prosa leve e bem escrita, a erudição inegável, a informalidade do texto, os caminhos obscuros percorridos pelos raciocínios até atingir seu propósito, a coragem de se contradizer sem negar o que havia escrito no passado. Tudo é pura blogagem.

Como ele escrevia para si, não subestimava seu público, maior pecado da narração moderna (seja televisiva, literária, cinematográfica...). Tal é a sinceridade e o frescor das idéias que seus Ensaios parecem ter sido ditados e transcritos sem correções. Neles, o autor hesita, especula, muda de assunto repentinamente (o ensaio chamado “Da semelhança dos filhos com os pais” é dedicado quase inteiramente a apontar o charlatanismo da medicina). Suas idéias parecem um pouco desordenadas? Montesquieu nos explica: “a maior parte dos autores escreve; Montaigne pensa”.

Seguem dois humildes exemplos colhidos a esmo na minha cabeceira.

Sobre a posteridade, no encerramento do Livro Segundo:

“Se fosse desses a quem o mundo deve render homenagens, contentar-me-ia com metade delas, conquanto pagas adiantadamente... E que se esvaíssem por completo ao fim da minha vida, quando seus sons suaves não me penetrassem mais os ouvidos.”

Sobre a pretensão racionalista diante do inexplicável (Livro Primeiro, Ensaio XXVII):

“É tola presunção desdenhar ou condenar como falso tudo o que não nos parece verossímil, defeito comum aos que estimam ser mais dotados de razão que o homem normal.”

Minha razão me impeliu a reconhecer que condenar uma coisa de maneira absoluta é ultrapassar os limites que podem atingir a vontade de Deus e a força de nossa mãe, a natureza; e que o maior sintoma de loucura no mundo é reduzir essa vontade e essa força à medida de nossa capacidade e de nossa inteligência. Chamemos ou não monstros ou milagres às coisas que não podemos explicar, não se apresentarão elas em menor número à nossa vista.”

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