segunda-feira, 30 de abril de 2007

Nossos vícios

Os entendidos dizem que o vício existe porque temos dificuldade de aceitar que uma experiência perde sua intensidade a cada vez que é repetida. Assim, o alcoólatra está sempre procurando o prazer sentido no primeiro copo e o drogado inutilmente persegue o barato original. Isso se explica facilmente, já que a expectativa e a descoberta são em si fontes de volúpia.

Talvez em todas as experiências que nos causam prazer, nós estejamos tentando repetir um primeiro êxtase. De fraqueza humana, resulta a dependência, que é a falta de controle sobre o impulso da repetição insistente. A teoria faz bastante sentido, mas, como sempre, a generalização pode ser uma armadilha.

Caiamos.

Quando leio pela primeira vez um bom autor, procuro avidamente em seus próximos livros aquela sensação original que, entretanto, quase nunca se repete. O mesmo ocorre com os grandes filmes, já que eu pertenço àquela classe de pretensiosos que, contrariando toda razão, conferem autoria individual (em alguns casos, bem se entende) a uma tarefa indiscutivelmente coletiva.

E você? Consegue se lembrar qual o primeiro livro que leu de Cortázar, ou de Graham Greene? E qual o primeiro conto de Poe? Você se lembra da sensação de, numa sala suja repleta de afetados, assistir seu primeiro Bergman, Kurosawa, ou Buñuel? Me atrevo a perguntar: o segundo foi a mesma coisa? Ou você ainda percorre locadoras e sebos procurando em fitas obscuras e brochuras mofadas aquelas delícias nunca reencontradas? Desista. A primeira vez não volta nunca.

Muitas polêmicas de RU seriam resolvidas aplicando-se essa fórmula. Quem leu O Processo antes de O Castelo, vai sempre achar que o K. agrimensor era um sujeito meio banana, que lhe falta a gana de seu homônimo. Oito e Meio ou A Doce Vida? Depende de qual você alugou primeiro... A Montanha Mágica ou Os Buddenbrook? Mesmo critério. Prefere O Leopardo a Violência e Paixão? Ninguém mandou começar pelos clássicos. Aliás, para mim, David Copperfield e Oliver Twist foram apenas historinhas bacanas, depois das gargalhadas com o Sr. Pickwick.

Isso sem falar naqueles autores que nos decepcionam de verdade. Heinrich Böll é meu melhor exemplo. Há alguns anos, encontrei um livro de contos numa biblioteca e fiquei petrificado. Que secura, quanta ironia. De lá pra cá, cruzei com Herr Böll em uns quatro romances, mas só emplacamos frustrações. As vezes ele se agüenta, como em Fim de uma Viagem, mas nada nem parecido com aquela primeira vez.

Estendendo um pouco o raciocínio, deduzo que uma vez que literatura e cinema são em si um vício que afeta a quase todos (independentemente do pedantismo dessas citações de sobrenome) talvez esteja nos nossos primeiros livro e filme a origem de toda essa perseguição. Culpemos Disney e o Coelhinho Sapeca. Na verdade, não sei até que nível do inconsciente pode mergulhar essa fixação, talvez esteja exagerando. Mas sou capaz de jurar que, até hoje, nunca reencontrei o delírio de A Chave do Tamanho, em que a boneca Emília reduz todos os habitantes da terra ao tamanho de formigas, exigindo muitas soluções criativas por parte da turma do Sítio.

2 comentários:

Vini disse...

nanão! kill bill é o melhor dos tarantinos. mas "méxico rebelde" é melhor do q "dez dias que abalaram o mundo". eu já tive essa impressão de q o "primeiro amor" é o melhor, mas não é, eu acho.

Unknown disse...

Bem, isso se aplica à imensa maioria das coisas, porém, para mim, há algumas exceções. Para citar uma que talvez o Eduardo concorde, a série de filmes A Máquina Mortífera.