quarta-feira, 4 de abril de 2007

Do que nos aguarda

Entendendo a cada instante ouvir o que me dita a consciência disforme e semi oculta, escrevo com os olhos voltados para as letras, pequenas e bravas feras que, mesmo dispostas de forma a apenas me obedecer e respeitar qualquer dos meus comandos, fogem aflitas e rebeldes quando preciso que parem, ou quase se congelam quando necessito de sua vibração. São letras insubmissas e dissolutas e as palavras que formam só poderiam ser tais: aberrações, sustos gramaticais, vocábulos quase desprovidos de sentido ordenado. Sim, as palavras são feias, mas apenas se mostram assim por culpa das letras que as formam. Que culpa poderíamos, portanto, impingir às frases, orações coordenadas e subordinadas às mais imprudentes palavras, construídas às pressas por letras contumazes e devassas. Esse inteiro parágrafo, aliás, como tantos outros, foge daquilo que pretendia para o texto. Mas, como autor, vejo-me obrigado a prosseguir, a mais ignóbil forma de desistência. A resignação pacífica e motivadora de continuidade estéril é força maior que domina o resto desses escritos. Fuja deles o leitor, já que como autor, não pude. Se ficar, não me julgue covarde, ou desatento, fingido, fraco, volúvel ou sentimental. São esses defeitos que poderiam ser facilmente convertidos em virtudes, mas me abstenho de fazê-lo porque são ainda assim mais sinceros como falhas do que como acertos, e superam em pureza aquilo que tinha planejado para essas linhas. A mesma explicação serve para a compreensão da minha última e maior fraqueza, que é um orgulho de, mesmo dominado por textos desobedientes, seguir exigindo os préstimos do leitor, esse pobre coitado que chegou até aqui sem saber o que lhe espera, mas já adivinhando que pouco ou nada pode lhe agradar. Que seja, que lhe desagradem essas linhas. Não são só minhas, ou suas, tampouco pertencem a si mesmas. Independente de quem perturbam, estão aí. Não sendo mais o leitor uma vítima desavisada desse engodo, entregue-se a contemplação que, afinal, tanto nos honra.

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