terça-feira, 8 de maio de 2007

Reflexões decorrentes de nostalgia forçada


Toda vez que alguma lembrança enviesada e fora de rumo transporta minha mente para a esquina da Ramiro com a Ipiranga, em Porto Alegre, sinto o impulso de escrever algumas linhas sobre meu saudoso tempo como estudante universitário. Naquele endereço fica a FABICO, que agrega os cursos de Biblioteconomia e Comunicação, onde fui aluno no período de anos que circundou a virada do milênio. A Internet, naquele tempo, era ainda uma inovação e canais como este que utilizo para transmitir-lhes minha nostalgia estavam ainda sendo criados, num período que podemos chamar de pré-história do cyberespaço.

Não quero parecer um saudosista, mas a verdade é que os dias de faculdade ficarão irremediavelmente na memória de qualquer homem como o tempo de máxima liberdade e gozo que experimentou na vida. Não é diferente comigo. Ao contrário do que acreditávamos na época, o período em que se freqüenta uma faculdade é marcado por muito aprendizado, embora boa parte dele aconteça fora das salas e longe dos professores. As festas, as amizades, as conversas de corredor e até as aulas parecem-nos hoje, maquiadas pelo tempo, muito melhores do que eram então, e fico feliz que seja assim.

Uma de minhas lembranças mais marcantes é sem dúvida alguma o Restaurante Universitário, maior fonte de piadas e pesadelos do estudante da época. O feijão tão queimado que tinha cheirinho de café, o arroz com destacado espírito de coletividade, o bife James Bond (sim, a piadinha já era velha naquela época), a moça mal-encarada que entregava o tíket – acho que embaixo da gaveta ela guardava um tacape – faziam parte do meu cotidiano. A refeição barata subsidiada pelo governo era a única que se encaixava no meu orçamento, e não havia dia que eu não enfrentava aquela interminável fila que saía pra fora do prédio da Psicologia.

A refeição no Restaurante Universitário era simples, dividida sempre em uma fruta – laranja ou banana – algum tipo de salada, uma carne, arroz, feijão e um acompanhamento carboidrático, que podia ser polenta, macarrão ou pão. Este último, no entanto foi retirado do cardápio ainda no meu primeiro ano como estudante, e eu me formei sem nunca mais encontrá-lo. Talvez eu tenha sido um dos freqüentadores que mais sentiu a ausência do pão francês. Entendam, eu adoro pão, era capaz de comer oito desses de 50 gramas. Para facilitar a sua digestão – no RU ele estava sempre meio maçudo – eu mergulhava o cacetinho (tá, tá, já sei, até desloquei o apelido porque na outra frase ficava pior) no molho de salada (puro vinagre, na verdade), que eu servia em excesso já com esse propósito.

Se a comida do RU não agradava, o sujeito encontrava no pão um conforto seguro, uma garantia de receita industrializada. Por isso mesmo vocês podem imaginar a minha tristeza quando percebi que meu amigo de farinha e bromato não ia mais voltar. Ora, eu era um estudante, e como tal não podia aceitar uma decisão sem saber o motivo. Fiz uma investigação, interroguei as pessoas certas – o RU dispunha de uma nutricionista, que surpresa – e consegui a informação que procurava. Por causa dos cortes do governo, o pão tinha sido retirado do cardápio. Mas porque o pão? Era o item mais caro? Só se aquela polenta intragável fosse mesmo feita com serragem. Minhas indagações não ficaram sem resposta.

Vejam bem senhores, o pão tinha uma característica diferente dos outros alimentos servidos no bandejão: apesar de muito apreciado por este cronista, seu consumo não era regular. Tinha dias que não dava pra todos, às vezes sobrava de caixas. Fosse feita uma investigação mais cuidadosa, descobriria-se uma relação direta entre esse fenômeno e a variabilidade da qualidade da carne, que algumas vezes era um frango empanado e outras era uma espécie de quibe que tentava, sem sucesso, reunir numa mesma massa todas as carnes servidas na semana. Aparentemente, o público também via o pão como recurso para substituir receitas menos aceitas pelo estômago exigente do estudante universitário, embora nunca tenha visto ninguém mergulhá-lo no vinagre, esta patente era minha.

Como eu já afirmei anteriormente nesse texto, no período de estudante aprende-se fora da sala de aula tanto, ou mais, do que dentro dela. O caso do pão e da falta de verba permitiu-me perceber com clareza, talvez pela primeira vez na vida, a verdade prenunciada por Huxley e tantos outros, de que aquele que não se encaixa regularmente nas estatísticas está inevitavelmente fadado a exclusão.

3 comentários:

Vini disse...

Ah, o pão era garantia de qualidade, eu roubava, sim eu roubava. O mesmo acontecia com a bergamota. A tática era simples: pegar duas enquanto se servia e mais duas (essa era a atitude ilegal) quando levava a bandeja de volta. Eram as bergamotas mais deliciosas que um ser humano podia comer... a Fabico é o melhor lugar do mundo!

Marcia disse...

tu tem saudade das pombas também? :P

Anônimo disse...

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